Colômbia: Outro modo de (bem) viver

O país é um dos mais violentos do mundo com os povos indígenas, que mostram que há como viver fora do modelo capitalista

Entre os países mais biodiversos do mundo, a Colômbia reúne biomas amazônico, andino, caribenho e do litoral do Pacífico. Como na maioria dos países da América do Sul, a destruição ambiental é um problema central, sendo o desmatamento das florestas um alerta.


Em 2021, a perda de vegetação florestal no país foi de 174.103 hectares, um aumento de 1,5% em relação ao ano anterior, em que a destruição foi de 171.685 ha, segundo o Instituto de Hidrología, Meteorología y Estudios Ambientales (IDEAM), órgão estatal. No entanto, o relatório da Fundação para la Conservación y Desarrollo Sostenible (FCDS), organização que atua junto às comunidades locais para monitorar o meio ambiente na Amazônia colombiana, mostra que entre abril de 2021 e março de 2022 foram desmatados 113.572 apenas no bioma.

Além do saldo negativo, o acesso a esse tipo de informação é dificultado. O IDEAM não divulga os dados mensalmente. É necessário esperar até julho do ano seguinte para conhecer o valor anual e não há detalhes sobre em quais florestas o desmatamento ocorreu. Essa, entretanto, é uma tendência que pode mudar durante a gestão de Gustavo Petro (Colômbia Humana), primeiro presidente de esquerda do país, empossado em 7 de agosto deste ano. Petro já sinalizou em direção à transparência ambiental ao sancionar uma lei que aprova o Acordo de Escazú, que garante que qualquer cidadão tenha acesso à informação sobre projetos, iniciativas do Estado ou privadas que podem afetar o meio ambiente.


Rastros de sangue

As ambições do novo presidente também passam pelo enfrentamento à violência. Sua própria comitiva sofreu atentado armado em poucos dias após sua posse. Os fatores que pressionam a Amazônia são velhos conhecidos, como expansão da pecuária, acúmulo de terras por poucas pessoas para formação de latifúndios, mineração ilegal e abertura para o cultivo de coca – atividades ligadas à destruição ambiental e violência em diversos outros países.


Em 1971, Eduardo Galeano alertou para esse cenário em As Veias Abertas da América Latina: “As estatísticas indicam que a Colômbia registra um índice de homicídios sete vezes maior do que o dos Estados Unidos, mas também indicam que uma quarta parte dos colombianos em idade ativa não tem trabalho fixo”. Nos parágrafos que antecedem esse trecho, o escritor uruguaio aponta como o país foi refém dos ditames do mercado internacional e de empresas estrangeiras. A exploração deixou milhares de colombianos na miséria, muitos recrutados ou pressionados posteriormente por grupos criminosos.


Defensores do meio ambiente e comunidades indígenas são um alvo claro. O relatório publicado neste ano pela Global Witness, ONG que coleta dados sobre assassinatos de pessoas que defendem os territórios, revelou que, entre 2012 e 2021, pelo menos, 1733 ambientalistas foram assassinados no mundo, sendo que 68% dos crimes aconteceram na América Latina e 39% contra indígenas. A Colômbia está na segunda colocação, com o total de 322 homicídios.


Pelo olhar dos povos indígenas

“Nosso principal problema é que somos violentados desde sempre por ser indígenas. Acreditam que as riquezas da terra devem ser exploradas e que podem ser tiradas do território. Para nós, a riqueza é o cuidado que a terra nos dá”, afirma comunicadora comunitária e produtora audiovisual, Marbel Vanegas Jusayu, do Povo Wayuu, que vive majoritariamente no norte da Colômbia, no departamento de La Guajira, margeado pelo mar do Caribe.


Marbel conta que, em La Guajira, há a maior exploração de carvão mineral a céu aberto do mundo, feita pela Cerrejón, uma empresa agora totalmente controlada pela multinacional suíça Glencore – que comprou as partes da BHP Billiton e Anglo American. Em Chocó, região do oeste colombiano e na fronteira com o Panamá, onde vive o Povo Emberá, a destruição se dá pela exploração de ouro. As comunidades acabam afetadas pela contaminação dos rios por mercúrio.


Além disso, o conflito armado é considerado um dos grandes inimigos dos povos no país. “Obrigam os indígenas a ter que mendigar nas cidades, quando tiram os territórios por violência, quando assassinam. Toda a comunidade passa a ter medo de caminhar pelo próprio território.”


A comunicadora Wayuu é a diretora da quarta temporada da série documental El Buen Vivir, da Comisión Nacional de Comunicación de los Pueblos Indígenas (Concip), que busca retratar como os povos originários vivem. Apesar de mostrar suas dificuldades, a produção foca em como fazem para cuidar e proteger os territórios. “A ideia não é apenas falar do que é o bem viver, mas mostrar ao mundo a contribuição das comunidades indígenas e étnicas para a cura e cuidado do território. Cuidar dele é cuidar da Mãe Terra”, pontua.

A temporada dirigida por Marbel vai ser disponibilizada em 2023. Um dos principais diferenciais da série é ser feita em conjunto, são diversos comunicadores indígenas de etnias distintas e de todas as regiões da Colômbia. Por isso, acabou se convertendo em uma plataforma de reconhecimento entre os próprios povos e como estão desde suas comunidades defendendo a terra.


Termo que dá nome à produção, “bem viver” (buen vivir) é uma filosofia de vários povos originários da América Latina em que os seres humanos são parte da Mãe Terra, por isso, devem viver em harmonia, complementaridade e reciprocidade com a natureza e todos os outros seres, com uma visão de desenvolvimento voltado para coletividade. A ideia é oposta aos valores da modernidade capitalista e colonialista, justamente porque as comunidades não visam lucro, consumo e competitividade e mostram que é possível viver fora desse modelo.


“Para nós, a Mãe Terra é que nos dá vida, nos protege e nos dá abrigo. A iniciativa de El Buen Vivir busca mostrar a todos o que é normal para nós. Cuidamos dela porque não se pode castigar ou ferir sua mãe. Fazemos um chamado aos irmãos de diferentes lugares do mundo, não só da Colômbia, para que cuidem também. Nem tudo é sobre indústria. A única coisa que a exploração mineral e a indústria fazem é destruir. Estamos tirando de nós a oportunidade de preservar os territórios a tempo, o que, ao fim, é também preservar a nós mesmos”, finaliza Marbel.