Venezuela: nem pior, nem melhor, igualmente explorada

Ambientalistas do país lutam pelo fim do garimpo ilegal na Amazônia e pelo fim dos derramamentos de petróleo no mar

Nos últimos anos, a Venezuela se tornou um mito no imaginário internacional, especialmente no Brasil. À medida que os problemas socioeconômicos no país vizinho, a direita e a extrema-direita se apropriaram do bordão “o Brasil vai virar uma Venezuela” para causar pânico em relação aos governos petistas, aliados tanto do ex-presidente Hugo Chávez (que governou de 1999 até sua morte em 2013) quanto do atual Nicolás Maduro (que governa desde então).


Em meio a análises superficiais, desinformação e jogos de interesses de países como os Estados Unidos na região, um item precisa ser destacado: a Venezuela vive problemas ambientais similares aos do Brasil. Não se sabe se o Brasil virou a Venezuela ou se foi ao contrário, mas o passado de exploração comum deixou rastros parecidos e que não acabam.


Em As Veias Abertas da América Latina, publicado pela primeira vez em 1971, o escritor Eduardo Galeano descreve os ciclos de monocultura ligados à colonização e à exportação pelos quais o país passa até cair nas garras do petróleo: “A riqueza natural da Venezuela e outros países latino-americanos com petróleo no subsolo, objetos do assalto e do saque organizado, tornou-se o principal instrumento de sua servidão política e de sua degradação social. Essa é uma longa história de façanhas e de maldições, infâmias e desafios”.


Embora o recurso tenha sido nacionalizado com a criação da estatal Petróleos de Venezuela nos anos seguintes à publicação da obra, o país seguiu rendido ao mercado externo, às altas e baixas dos barris, à pouca diversificação econômica e à dependência desse combustível.

Óleo no mar

“Sofremos de um problema duplo. O colapso social que vivemos na Venezuela teve impacto direto no meio ambiente. Além das consequências tradicionais geradas pela indústria petroleira, há uma espécie de abandono da gestão. Nossa indústria era má ambientalmente, mas eficiente e respondia bem aos interesses da produção do mercado mundial. Agora está abandonada e deteriorada, isso tem gerado muitos vazamentos de óleo, fugas de gás e explosões”, afirma o sociólogo e mestre em Economia Ecológica, Emiliano Teran Mantovani, membro do Observatorio de Ecología Política de Venezuela (OEP).


Um relatório da organização identificou 53 derramamentos de petróleo no mar apenas entre janeiro e setembro de 2021, uma média de quase seis escapes por mês. Em um único episódio, ocorrido em junho do mesmo ano, foram lançados 3,6 milhões de litros de gasolina, além do vazamento de gás em um oleoduto submarino em Falcón, extremo norte do país, onde ocorreram 33 desses 53 eventos. No estado de Zulia, foi registrado óleo nos manguezais. O documento ainda aponta a paralisia do governo em fazer o monitoramento e combater a situação.


Sem uma transparência e mapeamento da própria estatal, a realidade dos vazamentos pode ser ainda mais séria. As entidades ambientalistas e biólogos, como no relatório acima, monitoram sozinhos os eventos, fazendo um levantamento por meio das redes sociais.


É nesse contexto que o OEP leva cinco anos trabalhando de uma perspectiva de iniciativa comunitária, social e territorial para lutar contra os problemas socioambientais no país. “Trabalhamos com o acompanhamento das comunidades para promover a justiça social e também formação. Nos chamamos de ‘anfíbios’, somos pesquisadores e ativistas, um pé na luta ambiental e outro na Academia”, explica.


A organização apoia os grupos locais de acordo com suas necessidades, oferecendo informação judicial e ambiental, assessoria para as campanhas nas redes sociais e acompanhamento das denúncias. Apesar de ser composto apenas por dez pessoas, o OEP busca manter uma capilaridade em todo o território, enfrentando os temas de expansão agropecuária, do petróleo, da mineração e do desmatamento.


Atravessando fronteiras

Na Amazônia venezuelana, o problema também é do Brasil e da Colômbia. O que acontece é que garimpeiros brasileiros invadem a Terra Indígena Yanomami nos dois países para extrair o ouro e grupos guerrilheiros colombianos também atuam na mineração ilegal. A região mais afetada é a Reserva de la Biósfera Alto Orinoco-Casiquiare, área protegida com cerca de 15 mil indígenas e enorme biodiversidade.


Informe do projeto SOS Orinoco mostra que os Yanomami se encontram em situação de vulnerabilidade, não só pela violência desses grupos, mas também pela crise sanitária causada. As consequências do garimpo ilegal na região são contaminação das águas por mercúrio e desmatamento descontrolado. Mantovani dá dimensão do impacto: “O governo venezuelano denominou a área explorada pela mineração na Amazônia de ‘Arco Minero del Orinoco’ com uma extensão similar ao tamanho de Cuba”.


Tanto o documento acima, quanto ativista do OEP apontam a omissão de Maduro em relação aos crimes relacionados à exploração ilegal de minérios. No entanto, Mantovani aponta que os problemas da Venezuela não se tratam de um lado bom ou mau e explica, por exemplo, que o opositor do atual presidente nas últimas eleições, Juan Guaidó, sinalizou o apoio a abrir a região para empresas mineradoras.


“Há um trato na imprensa internacional sobre o país. Não explicam as questões sociais profundamente, não saem dos estereótipos de ‘Maduro é um ditador’. Quanto aos problemas ambientais são duas faces da mesma coisa, até mesmo há governos locais e municipais de oposição que também apoiam práticas de destruição ambiental”, analisa.

Várias lutas

Para o sociólogo, é necessário refletir sobre o estilo de vida consumista das sociedades ocidentais que valoriza o que há de fundamental – a natureza, a água e poder respirar. “Estamos diante de uma crise ambiental muito séria. A Amazônia está relacionada com os ciclos de estações do planeta e com a biodiversidade que nos sustenta.”


Mantovani traz ainda a perspectiva de que todas essas lutas são interseccionais. “A justiça social não existe sem a justiça ambiental. Tudo está conectado, a luta ambiental, sindical, feminista, indígena, trazer os saberes ancestrais e a presença de culturas campesinas. É sobre mudar o nosso modo de vida.”