Peru: um ecossistema único em meio à desigualdade social

As Lomas em Pamplona Alta, uma das regiões mais pobres de Lima, vivem diante de um muro classista e traficantes de terrenos

Segregação espacial, dispersão de pessoas pobres – majoritariamente não brancas – para os morros em prol das elites brancas e atuação de grupos criminosos. Não, não é o Rio de Janeiro. Esse é um retrato que se repete pela América Latina e é a definição exata da Região Metropolitana de Lima (RML), no Peru.


Para desestabilizar as estruturas dos governos indígenas que habitavam a região da Cordilheira dos Andes, a Coroa espanhola escolheu Lima, no litoral, como a principal cidade. Mesmo após a independência, o processo histórico fez com que o poder político e econômico estivesse centralizado no local, gerando uma migração massiva das populações camponesas, afetadas principalmente pela violência e pobreza no campo.


“A exploração continuou ao longo de todo o tempo, e em 1969, quando se anunciou a reforma agrária no Peru, os jornais noticiavam frequentemente que os índios das comunidades destroçadas da serra, desfraldando suas bandeiras, de tanto em tanto invadiam as terras que roubaram deles ou de seus antepassados, e eram repelidos a balaços pelo Exército”, escreveu Eduardo Galeano em As Veias da América Latina (1971). No país, o rastro da segregação entre brancos e indígenas ou mestiços persiste.


Chamado de “Muro da Vergonha”, uma barreira de concreto com 10 quilômetros que isola o bairro Pamplona Alta, no distrito de San Juan de Miraflores, na RML, habitada por indígenas desaldeados e mestiços, das regiões ricas e brancas, como Santiago de Surco.


Depois do muro

A urbanização mais intensa de Lima começou nos anos 50 com as migrações de pessoas das zonas rurais e dos Andes em um processo de ocupações organizadas. Posteriormente, o Estado consolidou e regularizou esses assentamentos urbanos, formalizando os distritos Villa Maria del Triunfo e San Juan de Miraflores.


Diante da falta de planejamento urbano, a região convive nas últimas décadas com o problema do tráfico de terrenos, em que grupos criminosos se aproveitam das necessidades de outras pessoas para vender terras não regularizadas, inclusive destruindo o ecossistema local, chamado de Lomas. Esse é um processo operacional similar ao das milícias em áreas de preservação ambiental da Mata Atlântica no Rio de Janeiro.


A degradação de Lomas em Pamplona se dá principalmente por essa ação, como explica Elizabeth Guillen, do coletivo Lomas de Pamplona, formado desde 2019 por quatro jovens da comunidade para defender o bioma. “Não se trata de uma ocupação por pessoas que necessitam de moradia, se trata de invasões de organizações criminosas que limpam e repartem os terrenos, fingem que são moradores e então vendem para lucrar. As pessoas acreditam que compraram um lote, mas não há título de propriedade. Inclusive utilizam fachada como se fossem associações de habitação.”


Além do desordenamento territorial, o ativista socioambiental da iniciativa, Christian Rafael, conta que a marca da política de gestão ambiental do governo peruano é a instabilidade. “A cada tempo, há uma troca de funcionários do Ministério do Ambiente e do Ministro. Não há uma continuidade nas políticas, os esforços em temas de conservação acabam sendo insuficientes. Em um território pequeno como são as Lomas na cidade de Lima já é muito difícil, imagine o quanto é complicado na área da Amazônia, onde há um tráfico maior, mineração ilegal, narcotráfico, inclusive dentro de áreas protegidas”.

Lomas entre nós

Conhecidas como “Oásis de névoa”, as Lomas são únicas das costas do Peru e do Chile, que reúne todas as condições necessárias para que existam. Por isso, sua degradação representa o fim de sua existência em nível mundial.


Uma questão enfrentada na região e pela qual o coletivo trabalha é levar informação à população local. Primeiramente, porque esse é um ecossistema estacional, ou seja, completamente diferente no verão e no inverno.


Durante o inverno, as serras de Lima se tornam verdes, vibrantes, cheias de espécies animais e vegetais, como as Amancaes, flor nativa das Lomas, símbolo de Lima e o que levou Christian à defesa do território em Pamplona Alta.

Já no verão, há um grande vazio, a jovem afirma que esse momento do verão também acaba sendo mais difícil de preservar: “Nos meses quentes, as ladeiras parecem peladas, então quem chega e não sabe que há vida, natureza e um ecossistema ali acredita que é um terreno limpo e pode ser apropriado”.

O coletivo Lomas de Pamplona busca aliar a defesa do meio ambiente à melhoria da vida da população local, que vive em um cenário de pobreza. Nesse sentido, uma das estratégias elaboradas é trabalhar o ecoturismo, gerando renda para a comunidade e valorizando o ecossistema. “É claro que as iniciativas, inclusive de turismo, precisam ser acompanhadas do processo de sensibilização e educação ambiental, tanto nas redes sociais quanto nas escolas. É importante trazer o tema nas reuniões comunitárias e seguir conversando com os vizinhos, promover caminhadas e estudos”, pontua Elizabeth.