Equador: o extrativismo no país em que os Direitos da Natureza é constitucional

A grande luta da sociedade equatoriana por meio da Yasunidos é mostrar que há mais valor no petróleo quando não é explorado

Das Ilhas Galápagos à parte continental, o Equador ostenta uma fauna e uma flora que o coloca entre os países megadiversos do mundo, além de carregar uma cultura pluriétnica e uma das organizações indígenas mais fortes do continente, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE).


No entanto, sua história é como a de toda a América, exploração colonial, ciclos de monocultura, que passaram pelo cacau e pela banana, avanço do neoliberalismo e das empresas estrangeiras pelo território.


Na republicação de As Veias Abertas da América Latina (1978), Eduardo Galeano traz um capítulo com o que de mais importante aconteceu desde a publicação de 1971. Sobre o país, o escritor diz: “No Equador, a súbita prosperidade do petróleo trouxe a televisão a cores em vez de escolas e hospitais”.


A década de 70 colocou o ouro negro no centro da economia equatoriana – e dos problemas socioambientais, principalmente na Amazônia, que persiste até hoje, mas não sem uma grande frente de resistência da população local.


Luta contra o extrativismo

Ao longo dos anos, a extração do petróleo se tornou uma bala de prata dos governos para “resolver os problemas econômicos”. O caso mais emblemático acontece no Parque Nacional Yasuní, localizado nas províncias amazônicas de Napo, Pastaza e Orellana, porção nordeste do país, onde um hectare possui uma biodiversidade maior do que em toda a América do Norte.


Em 2007, o esquerdista Rafael Correa assume a Presidência e atende clamores da sociedade civil equatoriana de não explorar o petróleo presente no subsolo do Parque. Assim, Correa apresenta a Iniciativa Yasuní-ITT (Ishpingo, Tambococha, Tiputini) na Assembleia Geral das Nações Unidas.


Em linhas gerais, a Iniciativa firma o compromisso ambiental em não extrair o óleo com objetivo de tomar a decisão sem impacto para o planeta. Em contrapartida, a comunidade internacional deveria apoiar o país financeiramente, recompensando essa difícil missão.


Seis anos mais tarde, Correa afirma que não tem recebido o apoio prometido, decreta o fim do projeto e abre o Yasuní para exploração de petróleo. É nesse momento que surge a Yasunidos, organização social para defender o território, onde também vivem povos indígenas em isolamento.


“As organizações que estavam apoiando a proposta de Yasuní-ITT decidiram fazer uma plataforma em nível nacional para que a decisão de Correa fosse tomada por meio de uma Consulta Popular. Assim, Yasunidos nasce primeiro como um meio de agrupar ONGs, sindicatos e diversos setores da sociedade para coletar assinaturas a favor do voto direto e popular”, explica David Fajardo, membro da Yasunidos no município de Cuenca, no sul do país. O processo se deu entre o anúncio de Correa, em 2013, e o ano de 2014, quando Fajardo conta que a iniciativa popular sofreu um boicote do governo. “O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) passou a eliminar muitas das cédulas que havíamos recolhido e afirma que não havia assinaturas suficientes para a Consulta.”


A partir daquele momento, Yasunidos começou a transitar em um novo modelo organizacional. Em Quito, capital do país, passaram a pedir para que reconhecessem o boicote e houvesse uma reparação integral do processo. Após oito anos, foi neste ano que a Corte Constitucional aceitou o recurso da organização e determinou que o CNE aceitasse as assinaturas anteriormente eliminadas.

Durante esses anos, outras lutas ecológicas passaram a fazer parte da iniciativa. No país todo, os núcleos que se formaram para lutar pelo Parque Yasuní assumem a defesa de seus territórios locais também. Por exemplo, em Cuenca, começa a defesa da água, em que a mobilização conseguiu uma Consulta Popular e a população local expulsou democraticamente a mineração nas nascentes dos rios na cidade andina.


Ao mesmo tempo, a luta inicial volta também ao cerne da questão, o atual presidente Guillermo Lasso quer ampliar a extração de petróleo no Yasuní, avançando ainda mais a fronteira petrolífera na Amazônia, sob a justificativa de “equilibrar as contas do governo”.


Sujeito com direitos

A mineração e o petróleo não são os únicos problemas socioambientais do Equador, como o desmatamento da Amazônia, o avanço da indústria agropecuária em diversos biomas e os projetos de usinas hidrelétricas.


Em meio ao extrativismo que se move sobre os territórios, no país há uma condição muito especial em relação aos outros do continente. A Constituição atual, em vigor desde 2008, assegura que a Natureza como um sujeito com direitos e vai além do termo “natureza” utilizado no Ocidente, encontrando-se com o conceito de Pachamama – em português Terra Mãe, deidade máxima para muitos povos indígenas.


“Bolívia tem uma lei que reconhece os direitos da Pachamama igual ao Equador, Colômbia também tem atos judiciais que reconhecem os direitos da natureza, da Amazônia. Mas o caso do Equador é específico porque não é apenas uma lei ou decisão judicial, é um direito constitucional, o mais alto nível do Direito. O Chile teve intenção de fazer o mesmo na Nova Constituição, que infelizmente não foi aprovada”, pontua Fajardo.


Nesse sentido, a defesa da Natureza permeia todo o Estado equatoriano, assim como é possível denunciar violações de direitos humanos, também se pode denunciar e abrir processo com base nos direitos da natureza. “Esse foi um grande avanço, mas é também necessário conseguir construir toda a política pensando e reconhecendo esse direito.”


O ativista, por fim, convida à reflexão de que não há separação entre seres humanos e a natureza. “Precisamos nos entender como uma espécie mais dentro das milhões que habitam esse planeta. Temos a obrigação ética de cuidar e proteger as outras espécies e os ecossistemas. Até porque se não o fazemos, estamos colocando nossa própria vida em perigo”, conclui.